Quando a capacidade homeostática da célula é superada pela intensidade ou
duração da agressão, ocorre uma lesão irreversível. O limite entre a
reversibilidade e a irreversibilidade de uma lesão é o chamado “ponto de
não-retorno”. Ultrapassado esse ponto segue-se um período de desorganização
estrutural progressiva, que culmina com a morte celular ou necrose. Segundo
alguns autores, a necrose é o conjunto de alterações morfológicas que ocorrem
após a morte celular. Deste modo, a cessação das atividades vitais das células
determina uma série de alterações morfológicas que podem ser consideradas como
o sinal da ocorrência da morte celular.
As primeiras mudanças ultraestruturais das células mortas
são a tumefação leve do citoplasma, com dilatação do retículo endoplasmático e
perda dos ribossomos. Posteriormente ocorre o desprendimento de “bolhas” de
citoplasma, que incluem somente o citosol (i.e., sem organelas). Estas
mudanças, entretanto, podem ser observadas ocasionalmente em células lesadas
subletalmente. Uma questão importante é quais são as alterações
ultraestruturais que ocorrem quando é atingido o “ponto de não-retorno”, a
partir do qual a necrose é irreversível. As alterações morfológicas
características desse evento são a violenta dilatação das mitocôndrias (chamada
de tumefação de alta amplitude), e o aparecimento de estruturas eletron-densas,
usualmente floculentas, na matriz mitocondrial (provavelmente proteínas
desnaturadas). Podem também aparecer formações cristalinas densas de fosfato de
cálcio, especialmente em casos de hipóxia.
Ao nível de microscopia óptica, as primeiras alterações
visíveis na necrose são as nucleares. Três tipos de alterações dos núcleos
podem ser caracterizados: picnose, cariorrexe e cariólise. A picnose é a
condensação da cromatina, que forma uma massa escura, retraída, ao redor do
nucléolo, O núcleo picnótico é menor e hipercromático. A cariorrexe (cario:
núcleo, rexis:
fragmentação) é a fragmentação nuclear em vários pedaços. A cariólise (de lisis: dissolução) é a
dissolução da cromatina, com perda da coloração nuclear, deixando uma imagem fantasma
do núcleo, que aparece como um imagem mais clara, arredondada, no
citoplasma.
Estas alterações nucleares correm em conseqüência da
hidrólise inicial da cromatina condensada, liberando-se maior quantidade de
ácidos nucléicos, de modo que os núcleos se coram mais intensamente, como
ocorre na picnose. Com a intensificação da hidrólise, os ácidos nucléicos se
desintegram e o núcleo perde a sua basofilia, tornando-se pouco corável, como
na cariólise. A causa da cariorrexe não está bem explicada ainda.
Os sinais citoplasmáticos da necrose, ao microscópio óptico
são o aumento da acidofilia, pela desnaturação das proteínas, ou a lise do
citoplasma, que confere ao mesmo uma aparência pálida e vacuolizada. A célula
perde o seu contorno, ocorre a diminuição da coloração diferencial entre
núcleo e citoplasma e, por último, a perda completa de células.
TIPOS DE NECROSES – Toda estrutura necrosada mostra as alterações descritas
acima. No entanto, o tecido necrosado pode apresentar várias formas macro e
microscópicas, dependendo dos seguintes fatores: agente etiológico, composição do
tecido e enzimas que permanecem ativas.
Assim, podemos diferenciar vários tipos de necrose, de acordo com as alterações
morfológicas que resultam da influência desses fatores. Essa diferenciação é de
utilidade, uma vez que oferece um indício quanto à etiologia da necrose. P.
ex., a necrose caseosa é mais freqüentemente provocada pelo bacilo de Koch.
Podem se diferenciar os seguintes tipos de necrose: 1)
necrose coagulativa; 2) necrose liquefativa; 3) necrose caseosa e 4) necrose de
tecido gorduroso. Alguns autores diferenciam um quinto tipo, a necrose gomosa.
No entanto, esse tipo de necrose é considerado como uma variedade da necrose
coagulativa. Similarmente, há autores que classificam a necrose caseosa
como variedade da necrose coagulativa.
Necrose coagulativa – A necrose coagulativa ou necrose por coagulação se
caracteriza pelo aspecto peculiar das células mortas, que apresentam citoplasma
opaco, acidófilo, devido à ação coagulante das substâncias que atuam sobre as
proteínas celulares. Possivelmente, pela desnaturação das enzimas líticas não
ocorre a liquefação dos tecidos. Muitas vezes a arquitetura grosseira do tecido
fica preservada durante algum tempo, mesmo quando os detalhes celulares são
perdidos.
Resumindo, o que caracteriza a necrose coagulativa é a
persistência do arcabouço celular por um período relativamente longo (Fig. 8).
Macroscopicamente a área necrosada aparece bem delimitada, mais pálida e com
consistência maior que o tecido normal.
Necrose liquefativa – A necrose liquefativa ou necrose por liquefação se
caracteriza pela consistência mole ou pelo estado líquido do tecido necrosado.
O amolecimento e lise do tecido necrosado se deve à ação das enzimas liberadas
pelo tecido morto, pelas células inflamatórias ou pelo agente causal,
favorecida pela estrutura e constituição do tecido.
Este tipo de necrose é característico do sistema nervoso
central que, pela sua riqueza em lipídios e baixo conteúdo protéico, apresenta
pequena capacidade coagulativa, facilitando a liquefação. Pode ser observada
também no centro dos abscessos, sendo responsável pela dissolução dos tecidos e
formação da parte líquida do pus. Neste caso, contribuem para a dissolução dos
tecidos as enzimas liberadas pelas bactérias, leucócitos e pelas células
necrosadas.
Necrose caseosa – A necrose caseosa ou necrose por caseificação se
caracteriza pela aparência do tecido necrosado semelhante à massa do queijo (caseum
= queijo). O tecido morto se
apresenta como uma massa amorfa esbranquiçada ou amarelada, opaca, de
consistência pastosa, friável e seca. Ao microscópio se apresenta como uma
massa eosinófila granulosa, com perda total dos limites celulares e da
estrutura citoplasmática (Fig. 9). Podem se vistos restos nucleares picnóticos
e em cariorrexe.
Este tipo de necrose ocorre pela
autólise rápida e completa, de modo que a arquitetura do tecido fica
prejudicada. É característica da tuberculose, mas pode ser observada também em
outros processos inflamatórios como histoplasmose, tularemia,
paracoccidiodomicose, etc
Necrose de tecido gorduroso – A
necrose de tecido gorduroso é considerada tradicionalmente um tipo especial.
Porém, a sua única característica especial é a de envolver tecido adiposo,
causando o desdobramento das gorduras em ácidos graxos livres e glicerol. Os
ácidos graxos saem das células e se saponificam com sais alcalinos, formando
sabões que se apresentam como precipitados brancos (manchas em pingo de vela).
Exemplos de necrose de tecido gorduroso ocorrem no tecido
adiposo peripancreático na pancreatite aguda e na necrose gordurosa mamária. Na
pancreatite aguda há liberação de lípases pancreáticas na cavidade peritonial,
resultando de sua ação sobre as gorduras, a necrose de tecido gorduroso. Os
ácidos graxos liberados pela ação da lípase combinam-se com sais de cálcio
formando sabões, que desencadeiam focos de intensa reação inflamatória aguda no
peritônio.
A necrose de tecido gorduroso na glândula mamária resulta
aparentemente de um trauma, ocasionando uma resposta inflamatória crônica que
pode resultar na formação da uma massa fibrosa firme.